“Texto quer dizer Tecido: mas enquanto até aqui se tomou sempre esse tecido por um produto, um véu perfeito, por detrás do qual existe, mais ou menos escondido, o sentido (a verdade), acentuamos agora, no tecido, a ideia generativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçar contínuo; perdido nesse tecido – nessa textura – o sujeito desfaz-se, tal como uma aranha que se dissolvesse a si própria nas secreções construtivas da sua teia. Se gostássemos de neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia de aranha).” R. Barthes
A verdade é que tenho medo. Medo desse momento propício à queda do Véu de Isis. Medo da leitura epidérmica. Das estruturas pré-ordenadas. Do devir que repousa sob a dinâmica da narrativa. E de tudo mais que aflige o estômago de Sontag.
Essa
espécie de convesão do conteúdo ideal num dado sensível, também um ato
estético, vez que uma forma de percepção, produz a separação contraditória de
corpo e espírito em dois nacos, como se não fosse a caligrafia uma mera
projeção. A transformação da “substância” em “suporte”, que é também um
deslocamento da libido, seria mais covarde que o ato de lançar sobre a cifra o
nosso estrondo agonizante?
Vinte
minutos de pulsão poderiam ser escritos em um número incontável de linhas e em ilimitados
acordes dissonantes, à moda daquilo que só se apreende no limbo das sensações
inauditas. Vinte minutos escondidos num gesto mudo, de junção corporal
substitutiva de um diálogo desprovido de lógica, para além do “devora-me ou te
decifro” da matriarca egípcia desse (des)encontro. Cento e oitenta batimentos
por minuto que contrariam, escancaradamente, o metrônomo tradicional. Que tempo
é esse que nos move (tão) longe e (tão) perto numa órbita fugidia, feito gravidade
volátil inapreensível que só cabe no signo das nossas intenções?
Aniquilar
os conflitos produzidos pelo antagonismo em matéria de anima, à evidência da antítese, numa dialética de ideia e de forma,
que dissolve todas as nossas reticências numa única ação (cento e oitenta
batimentos por minuto, contrariando escancaradamente o metrônomo tradicional). E
depois retornar à nossa dramatização épica de todos os dias, no leito tranquilo
do qual não nos movemos, menos por medo que por resistência à alter ação. Se fôssemos porosos o
bastante, essa fenda poderia se tornar insuportável?
Tecer
essas linhas de espírito sobre o peso do corpo e remeter ao campo do
significado o nosso significante, que pouco a pouco compreendemos, no teatro
épico da nossa representação. E depois aguardar a síntese final absoluta,
tomada como verdade, num campo que bem sabemos pertencer a um ideal intangível.
Não se trata de uma identidade de opostos, mas de um distanciamento que
aceitamos eterno, porque não nos fere tanto quanto o vazio diário.
Texto
quer dizer tecido e quando rompe as artérias salta pelos poros, fazendo-se
tintura sanguínea que se espalha sobre a face telúrica de uma manhã de segunda,
rompendo o medo de dissolver-se na leitura epidérmica, como um ato de coragem
ante o mundo da interpreta-ação.
Porque
a alteridade é um desafio diário e um sedativo anímico, que quando cala a veia produz
o coágulo que acarreta a trombose. Escrever é uma maneira de manter-se vivo
apesar da anestética que aflige o estômago de Sontag. A secreção construtiva
que produz nossa teia de aranha para que não pereçamos perante a realidade (ou
para que ela não nos destrua).
Textura
da vida ou tessitura da alma: que brota da veia obstruída para dar vazão à
nossa explosão torrencial iminente.